1. Introdução
O Supremo Tribunal Federal encerra, em 2025, um dos capítulos mais marcantes do Direito Previdenciário contemporâneo: a revisão da vida toda. A tese, que chegou a ser reconhecida com repercussão geral em 2022 (Tema 1102), permitia ao segurado incluir no cálculo da aposentadoria todas as contribuições ao INSS, inclusive as anteriores a julho de 1994.
O recente voto do Ministro Alexandre de Moraes, relator do Recurso Extraordinário nº 1.276.977, no entanto, reverteu o entendimento anterior, cancelando a tese firmada em 2022 e fixando novo parâmetro vinculante que restringe substancialmente o direito dos aposentados. A decisão, proferida em junho de 2025 e atualmente com pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia, redefine a compreensão do tema sob o prisma da constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.876/1999.
2. Histórico: da esperança à revisão do precedente
O julgamento teve início em junho de 2021, quando o então relator, ministro Marco Aurélio, defendeu o direito do segurado de optar pela regra definitiva (art. 29 da Lei 8.213/1991), caso mais favorável que a regra de transição da Lei 9.876/1999. Em dezembro de 2022, o Plenário do STF, por 6 votos a 5, confirmou esse entendimento, fixando a tese de que:
“O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876/1999, e antes da EC 103/2019, tem direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável.”
A decisão abriu caminho para milhares de ações judiciais, muitas já com sentenças favoráveis. Contudo, a partir de 2023, o tema retornou ao STF em sede de embargos de declaração e de controle concentrado (ADIs nº 2.110 e 2.111/DF), nas quais o Tribunal declarou constitucional o art. 3º da Lei 9.876/1999, consolidando o entendimento de que a regra de transição deve ser aplicada de forma cogente, sem exceções.
3. A virada jurisprudencial: embargos com efeitos infringentes
Com base nessa nova orientação, o ministro Alexandre de Moraes propôs revisão integral da tese de repercussão geral, reconhecendo que a decisão de 2022 se tornara incompatível com o posicionamento vinculante firmado nas ADIs.
Em voto publicado em 16 de junho de 2025, Moraes acolheu os embargos de declaração com efeitos infringentes, determinando:
a) cancelar a tese anteriormente fixada no Tema 1102;
b) fixar nova tese de repercussão geral, nos seguintes termos:
“1. A declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei n. 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei n. 8.213/1991, independentemente de lhe ser mais favorável.
2. Ficam modulados os efeitos dessa decisão para determinar:
(a) a irrepetibilidade dos valores percebidos pelos segurados em virtude de decisões judiciais, definitivas ou provisórias, prolatadas até 5/4/2024 (data da publicação da ata das ADIs nº 2.110 e 2.111);
(b) a impossibilidade de cobrança de honorários, custas e perícias contábeis nas ações pendentes até essa data;
(c) mantidas as repetições ou pagamentos já realizados.”
c) revogar a suspensão nacional dos processos relativos à revisão da vida toda, permitindo o prosseguimento das ações com base na nova tese restritiva.
4. Os votos e o cenário atual do julgamento
No julgamento virtual encerrado em 14 de junho de 2025, acompanharam integralmente o voto do relator os ministros Cristiano Zanin, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso (Presidente).
O ministro André Mendonça apresentou voto convergente parcial, admitindo a constitucionalidade do art. 3º, mas defendendo modulação adicional para excluir:
a revisão de benefícios já extintos;
o ajuizamento de ações rescisórias baseadas na antiga tese após 17/12/2019;
o pagamento de diferenças anteriores a essa data, ressalvadas ações ajuizadas até 26/6/2019.
Em seguida, a ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos, suspendendo temporariamente a proclamação do resultado definitivo.
Com a devolução da vista e a maioria já formada, é improvável qualquer reversão substancial. O cenário concreto é de consolidação da nova tese — que representa, em essência, o fim jurídico da revisão da vida toda.
5. Consequências práticas para os segurados
Decisões favoráveis transitadas em julgado até 05/04/2024 permanecem válidas.
Valores já recebidos são irrepetíveis, não havendo devolução.
Ações ainda em curso poderão prosseguir, mas deverão aplicar a nova tese — o que, na prática, inviabiliza o direito pleiteado.
Novos pedidos administrativos ou judiciais de revisão com base na regra definitiva deixarão de ser admitidos.
Honorários e custas processuais não poderão ser cobrados dos autores de ações pendentes até 05/04/2024.
6. Considerações finais
O voto do ministro Alexandre de Moraes — agora redator do acórdão — representa uma correção interna da jurisprudência do Supremo, que passa a alinhar o julgamento de repercussão geral ao controle concentrado de constitucionalidade.
Na prática, a revisão da vida toda perde sua força normativa e se converte em um capítulo encerrado do Direito Previdenciário brasileiro, embora preserve os direitos adquiridos até a modulação.
O julgamento simboliza também um alerta sobre a instabilidade de precedentes e a necessidade de prudência estratégica por parte dos advogados previdenciaristas, diante da possibilidade de mutações jurisprudenciais em temas sensíveis e de grande impacto fiscal.
7. Conclusão
O Supremo reafirmou o caráter cogente da regra de transição do art. 3º da Lei nº 9.876/1999, esvaziando definitivamente a possibilidade de aplicação retroativa da regra definitiva do art. 29 da Lei nº 8.213/1991.
Resta agora aguardar a manifestação final da ministra Cármen Lúcia, que detém o pedido de vista desde 16/06/2025, embora o resultado prático do julgamento já esteja consolidado: a revisão da vida toda — tal como concebida em 2022 — deixou de existir no ordenamento jurídico brasileiro.